Capítulo 35 - A História de Pin

Capítulo 35 – A História de Pin

Taylor abaixou a mão, e Mulan fechou os olhos.

Um grito agudo.

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“Um grito agudo – E Mulan virou-se, com os olhos arregalados.

O grito era dele. A chinesa observou Shang debater-se inutilmente no ar, segurado pelas garras da imunda. Ela enfiou a mão livre no peito dele e...

-NÃO!!! – Mulan berrou. Lágrimas rolaram de seus olhos. Ela correu ao encontro de Shang.

Shang...”

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Mulan gritou e sentou-se com um pulo na cama macia. Sua respiração era ofegante enquanto as últimas cenas de seu pesadelo lhe passavam pela cabeça. Seria tudo aquilo sido apenas um sonho ruim?

Houve uma confirmação da realidade quando Mulan sentiu a dor. Primeiro, a forte dor nas costas. Depois, a palma direita que ela apoiava no colchão ardeu sob uma atadura recém-enrolada e manchada com um pouco de sangue. A região da cintura da chinesa também estava enfaixada. Uma longa atadura tinha sido enrolada sob o corte transversal em sua barriga desde a região acima do quadril até os...

Mulan automaticamente puxou a coberta para cobrir-se até o pescoço. Seus seios também estavam enfaixados. Uma série de perguntas turbilhavam sua mente. Onde estava sua armadura especial? Suas roupas? Se tudo o que ela presenciara havia sido verdade, então onde estava Taylor? O que havia acontecido com a bruxa? Como Mulan fora parar ali? Onde Mulan estava? E, principalmente, quem enrolara as ataduras em seu corpo?

Ela vasculhou o ambiente. Estava em seu quarto na hospedaria de Hamelin. O quarto que ela dividia com... Liam.

Ela olhou para seu lado direito. Liam não estava na cama, apesar de ela estar desarrumada e cheia de sujeira, sangue, ataduras... Onde ele estava?

Sua pergunta logo foi respondida com um “click” da maçaneta da porta e um Liam cauteloso entrando de costas no quarto. Trazia consigo um lençol.

Ele fechou a porta, ainda de costas para ela, e virou-se. Ao ver Mulan acordada, ele  parou. Os olhos faiscaram com um brilho de curiosidade. Sim, ele sabia.

Liam pigarreou, recompondo-se. Ele caminhou até sua cama lentamente e sentou-se sobre o lençol sujo de sangue.

Encarou Mulan, que o encarava de volta. Ele não conseguiu evitar correr os olhos pela linha do corpo da chinesa, demarcada pela coberta. Não era um olhar proveniente da malícia doentia de um homem, e sim por uma descoberta surpreendente, como um pai que olha pela primeira vez o filho recém-nascido que acabou de conhecer. Liam havia afinal conhecido a verdadeira face de... Pin? Ele não mais sabia como se referir “ao novo colega”.

Apesar de estar morrendo de vontade de perguntar, Liam conteve-se. Ele também estava preocupado pelos ferimentos da chinesa, e foi com relação a isso que quebrou o silêncio pesado no qual o quarto estava envolto:

- Como você está? – As mãos deles se cruzaram entre as pernas um pouco abertas, a coluna um pouco inclinada para a frente.

Mulan remexeu-se em sua cama, encostando-se à parede. O mínimo movimento que fizera fazia-a querer chorar de tanta dor.

- Estou com muita dor. – Ela disse, a voz rouca pelo esforço. Não mais tentou esconder a voz feminina. Não fazia mais sentido ali.

- Eu tentei... Bem, eu peguei aquele líquido cicatrizante e anti-inflamatório que você tem na sua bolsa... Aquele que usou em Zayn depois da fuga de Cynder. Eu... eu passei em seus ferimentos e enrolei as ataduras e... – Ele não sabia como continuar. Eles estavam chegando ao ponto crucial da conversa.

- Obrigada. – Mulan disse a ele. Porém, a chinesa não sorriu.

O silêncio envolveu o quarto novamente por cerca de dois minutos.

Liam mexia sua perna esquerda incessantemente, olhando de Mulan para seus pés, de seus pés para Mulan, abrindo a boca eventualmente para tentar dizer algo que não estava conseguindo dizer. Mulan sabia o que era, mas ela não queria responder. Não era por conta de seu sexo, mas pelas lembranças que ela teria de trazer à tona para explicar a Liam porque ela se disfarçara de homem e porque havia realmente embarcado na viagem com eles.

Liam enfim tomou fôlego:

- Se não for rude de minha parte, eu gostaria que você me explicasse...

Mulan cortou-o.

- Como me trouxe até aqui? O que aconteceu com Taylor?

Liam endireitou a postura, arrependendo-se de sua ousadia, e respondeu prontamente:

- Você estava demorando muito para voltar, por isso, logo que chegamos aqui, eu voltei para te encontrar. Tentava dizer a mim mesmo que estava sendo um pouco paranoico, por isso nem insisti que um dos rapazes fosse comigo... Quando eu te encontrei, uma bola de fogo acabava de acertar o chão ao seu lado. Então eu as vi, as bruxas. Você correu para o bosque, e eu fui atrás de você. Eu a perdi de vista um determinado momento, até ouvir seu grito ecoando por toda a extensão do bosque – Um calafrio percorreu Liam ao lembrar-se do agonizante grito de Mulan – Eu segui a direção do som e encontrei você e Taylor.

- E... como... como... – Era óbvio para Liam o que Mulan tentava perguntar.

- Eu acho que me lembro de termos citado a você que, em minha fazenda, eu tentei usar água benta em Taylor, e que isso não funcionara, lembra-se? – Mulan balançou a cabeça afirmativamente. Liam prosseguiu. – Pois bem... Depois daquele dia, eu fiquei intrigado. Estava escrito no diário de meu bisavô que água benta funcionava. Ele mesmo afirmava que usara a água com sucesso. – Liam fez uma pausa, reorganizando os pensamentos. – Então, eu reli todos os trechos em que ele citava água benta. Em um deles, dizia que a safra de água benta havia acabado e que ele parara para recolher mais dela em um rio na cidade onde estava, a fim de leva-la para o padre mais próximo benzê-la o mais rápido possível. A princípio, não consegui inferir nada dessa passagem. Continuava um total mistério para mim o porquê de minha água não ter surtido efeito algum em Taylor. Foi então que, relendo outro trecho do diário, percebi o total equívoco de meu bisavô. O novo trecho dizia que eles haviam derrotado uma bruxa jogando-a em um rio, marcando água corrente como uma afronta a essas pragas demoníacas. Então eu juntei as peças: A água que ele recolhera para benzer também era de um rio. Assim, cheguei à conclusão de que a propriedade letal às bruxas não era o fato de a água ter sido benzida, e sim o fato de ela ser corrente.

Mulan abriu ligeiramente os lábios, perplexa com o raciocínio e a inteligência de Liam. A conclusão era brilhante. Nem em um milhão de anos ela seria capaz de perceber aquele detalhe. Liam prosseguiu:

- Então eu peguei um pouco de água corrente em um rio pelo qual passamos. Estava apreensivo de minhas ideias estarem erradas. Então a guardei em um pequenino frasco que pudesse deixar sempre comigo, pronto para testar minha tese quando tivesse oportunidade... Uma coisa não fazia sentido para mim: A água de um rio armazenada em um recipiente deixava de ser corrente. Contudo, por ter sido retirada de um rio, continuaria tendo as mesmas propriedades? Queria descobrir, e foi isso o que eu fiz. Quando te encontrei, Taylor abaixava a mão para dilacerar sua garganta. Era a única arma que eu dispunha naquele momento para ajudar, visto que minha espada não seria eficiente contra os poderes de cicatrização de Taylor. Eu não tinha outra opção. Então fui por detrás da bruxa e joguei todo o conteúdo do meu frasco em sua cabeça. Ela soltou um guincho terrível de dor e se dissipou em milhares de corvos novamente, fugindo. Aí eu concentrei minha atenção para você e... – Liam calou-se, percebendo que rodeava o assunto que Mulan não desejava falar novamente.

Mulan desviou os olhos de Liam. Havia chegado a hora que ela havia adiado por tanto tempo... Ela suspirou, agradecendo novamente.

- Obrigada por se arriscar por mim...

- Não há de quê... – Ele disse. – Teria feito o mesmo por mim. – Ele sorriu, tentando transmitir confiança a ela. Fazê-la falar.

De repente, uma nova pergunta retumbou nos neurônios de Liam:

- Espere! Como você sabia que estava lidando com Taylor? Como tinha certeza que lidava com a bruxa que havia nos atacado?

Mulan entendeu a pergunta dele.

- Pela descrição de vocês.  – Ela disse. Liam assentiu e ficou esperando que ela finalmente falasse.

Mulan ficou calada, sem saber se teria coragem para prosseguir em sua explicação. Liam resolveu abrir totalmente o jogo:

- Quando eu te encontrei, você estava usando aquela sua armadura. Eu a tirei de você na própria floresta, pois não conseguia te carregar, Pin... Quer dizer... – Ele balançou a cabeça, nervoso consigo mesmo, e prosseguiu – Antes de te trazer, porém, tinha de fazer uma análise de seus ferimentos. Estava frio, e eu abriria sua camisa apenas o suficiente para ver a extensão do corte que manchava a sua roupa com uma poça de sangue. Precisava estanca-lo. Então... – Ele não terminou a frase. Ele estava constrangido de falar aquilo. Olhava para baixo o tempo todo. No entanto, ao pronunciar a última palavra, encarou a chinesa.

Mulan estreitou ainda mais o cobertor sobre seu corpo.

- Então todos já sabem... – Ela suspirou, derrotada.

- Não! – interviu Liam. – Eu não contei a nenhum deles... – Mulan arregalou os olhos - Te deixei enrolado... digo, enrolada... quer dizer... bom, eu te enrolei de volta nas suas roupas e, quando te trouxe para cá, fiz questão de deixa-los do lado de fora do quarto. Eles quiseram entrar para me ajudarem a cuidar de seus ferimentos, mas eu insisti que ficássemos a sós, porque havia muito sangue e você estava muito fraca. Muita gente em cima não lhe ajudaria em nada.

Mulan aliviou-se. Ela esboçou um leve sorriso, que transpareceu por cima da dor, o que fez Liam sorrir também. A chinesa ficou encantada: Liam protegera o seu segredo, apesar de tudo. Ele fora conivente com ela. Naquele momento, Liam acabava de ganhar a total confiança de Mulan, algo muito raro vindo de alguém como ela.

- Não se preocupe... Ninguém mais sabe. Seu segredo está seguro comigo.

- Você vai querer me afastar desta missão? Porque sou mulher?

Liam balançou a cabeça negativamente.

- Mas de jeito nenhum!!! – Ele disse, arregalando os olhos e balançando as mãos com ênfase na negativa. – Você tem se demonstrado um ponto crucial nesta jornada. Se não estivesse aqui, sabe-se lá como estaríamos agora. Eu jamais deixaria entrar uma mulher nesta missão anteriormente. Contudo, o fato de você ser uma mulher não me incomoda, e sim me surpreende. Eu jamais conheci nenhuma outra como você. Corajosa e astuta, perspicaz, determinada, racional e fria, quando necessário. Minha mente está agora em conflito. Batalho contra meus próprios preconceitos, porque o que vi não deixa lugar para que se conteste que você é um soldado melhor do que eu, Harry, Zayn, Niall e Louis juntos. Você tem todas as características que um verdadeiro guerreiro deve ter em campo de batalha, somado às típicas características de toda mulher: cautela, alta capacidade de planejamento rápido, senso de proteção materno... Uma perspectiva de avaliação diferente da masculina e que, não ouso dizer, foi uma das responsáveis por nos manter vivos até agora.

O ego de Mulan inflou-se um pouco. Aquilo até que era bom para ela. Sua autoestima andava muito baixa desde... aquilo...

- Entretanto... – Liam mudou de assunto. – Gostaria que me explicasse o porquê disso tudo. Você já era um mistério como Pin, para mim. Imagine agora. Por que está conosco nesta missão? E como aprendeu a lutar tão bem?

Mulan olhou intensamente para Liam. Ela enfim teria de falar. Não havia mais saída. E depois de tudo o que ele fizera para ela, não havia como lhe dizer um não.

- Eu... Eu não sei por onde começar...

- Comece me dizendo o seu nome. Não é Pin, é?

- Não, haha... – Mulan deu uma risadinha. – Eu me chamo Mulan.

Liam assentiu. Ela continuou:

- Essa não é a primeira vez que eu me disfarço de homem. A minha história é muito... muito... complicada.

Liam arregalou os olhos. Então não era a primeira vez que ela fazia aquilo?

- Há muito tempo, eu me integrei ao exército chinês no lugar de meu pai. Ele estava velho e havia sido convocado para combater um povo bárbaro que ultrapassara as nossas muralhas. Mulheres não podiam fazer parte do exército, então eu me disfarcei de homem e fugi de casa. Meu pai não podia me dedurar para o exército, ou eu seria morta, pois o lugar das mulheres da China, como as da Inglaterra, não é bem em um campo de batalha, você sabe... Nesse dia eu desonrei toda a minha família, mas eu estava fazendo isso por meu pai.

Liam se surpreendeu com a coragem de Mulan. Ela prosseguiu:

- Foi no exército que conheci... – Ela parou, e Liam reparou que ela havia chegado em algum ponto delicado de sua explicação. – Shang.

Mulan continuou contando toda a sua história. Sobre como tinha se apaixonado por Shang e salvado a todos em uma montanha, quando estavam sendo atacados pelos Unos, o povo bárbaro que invadira a China. Contou como havia sido descoberta, e sobre como Shang poupara a sua vida. Relatou a sua corrida ao Palácio do Imperador e a batalha contra Shan-ii-u, e sobre como o Imperador e toda a China haviam se curvado diante dela, reconhecendo seu heroísmo ao salvar o país inteiro.

Liam estava de boca aberta. A história era maravilhosa. Ele não tinha palavras.

- Eu e Shang nos casamos um ano mais tarde, e viemos passar a lua-de-mel aqui na Inglaterra. Tudo corria bem, até que... – Ela de repente ficou com a postura rígida. A voz adotou um tom melancólico, e não mais animado ao relembrar de um passado glorioso. Ela não olhava mais para Liam. Fixava algum ponto dentre as suas próprias lembranças. – Eu e Shang estávamos tomando um atalho para a cidade mais próxima através de uma floresta, caçando algo para comer, quando ouvimos um grito por socorro.

“Eramos guerreiros por natureza. Corremos em direção ao grito, silenciosamente. Enfim chegamos à borda de uma leve depressão, protegidos por uma orla de árvores e arbustos. Acima da depressão, as árvores se abriam formando uma clareira. Um homem estava sendo segurado por quatro criaturas horrendas, enquanto uma mulher alta, de cabelos castanho-claros, se aproximava. Ela pôs a mão no peito dele, e ele gritou. Alguns segundos depois, vimos que algo começava a sair do peito do homem, enquanto ele berrava de dor e medo. Era o coração dele.”

“Eu fiquei assustadíssima. Quando começava a pensar no que fazer, Shang disparou uma flecha. Ela acertou a mão da mulher que puxava o coração, fazendo-a soltá-lo. Ela gritou de dor e ficou furiosa. As criaturas que seguravam o homem correram em nossa direção, e Shang saiu de nosso esconderijo e começou a lutar. Eu o segui, dando cobertura.”

Mais lágrimas caíram pelo rosto de Mulan. Ela começou a falar com uma voz chorosa, fazendo longas pausas:

- Ele matou duas das criaturas. Eu fiquei com as outras. Mas aí... Aí foi a vez dela. E... e... foi horrível... – Ela cobriu o rosto com as mãos. Liam foi até ela e, sentando-se na cama, envolveu-a com os braços, tentando confortá-la. – A mulher pegou-o pelo colarinho e... e... como ela fazia com o outro, começou a tirar seu coração. Quando eu matei a última criatura, ouvi o grito de Shang. Eu corri até eles, mas ela arrancou o coração de meu marido antes que eu pudesse alcança-los. Ela largou o corpo de Shang no chão e ergueu o coração dele para cima com uma das mãos. Então eu cheguei e tentei golpeá-la, mas com a mão livre ela jogou uma bola de fogo em mim. Me protegi com a espada e fui lançada para longe. Depois disso, enquanto me levantava para lutar novamente, ela apertou o coração dele sobre a boca e tomou o sangue que escorreu dele.

“Ela riu alto e uma luz roxa começou a surgir em volta dela. Uma fumaça negra começou a pairar sob seus pés. A risada aumentou ainda mais. Eu corri ainda mais depressa e estava a um metro dela quando a luz se converteu em uma bola e explodiu, uma forte rajada de ar me lançando de encontro a uma árvore. Eu bati a cabeça e rolei no chão. Quando ergui os olhos, ela havia desaparecido. E o corpo de Shang e o do outro homem estavam carbonizados.”

Mulan abraçou Liam de volta, chorando e soluçando muito.

Ela ficou assim, agradecida pela generosidade dele, por um bom tempo. Suas lágrimas quentes molhavam a blusa de Liam. Quando finalmente se acalmou, olhou bem fundo nos olhos dele e disse:

- Por isso, Liam, que eu vim nesta missão com você. Depois daquilo, eu desmaiei. Quando acordei, segui desamparada pela floresta até chegar ao vilarejo de Hogwarts. Lá encontrei Dumbledore. Ele cuidou de mim, e, juntos, descobrimos a verdadeira identidade da mulher que matara Shang, que ele disse ser uma bruxa. Ele me contou tudo sobre o mundo mágico e, depois, sobre vocês. Então, me designou para ajuda-los. Mas eu não estou nessa missão por causa de vocês ou para salvar a humanidade... Eu estou aqui hoje porque pretendo restaurar a honra que aquela bruxa tirou de mim quando matou o meu amado marido. Tudo o que eu quero é vingar a morte de Shang, e farei de tudo para ajudar o escolhido a fazer isso.

Liam escancarou a boca, compreendendo tudo. Então a bruxa que matara Shang era...

- Flack. Eu a quero morta.

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E aí pessoal? Expectativas?

Continuo com sete comments.

P.S.: Obrigada pelos últimos comentários, respondi todos, vcs são d+ :)

Bjs